Homenagem aos agentes da Guarda Fiscal da caseta de Vale de Frades Por Manuel Martins Lopes * Comecei a conhecer a caseta há cerca de cinquenta anos. E a imagem que dela guardo, das suas paredes, do seu recorte no horizonte, do espaço em que se insere, dos guardas que a habitaram, dos carabineiros que a visitaram, dos povos de Vale de Frades e de Vilarinho Traz la Sierra que a respeitavam, dos contrabandistas que a evitavam, …essa imagem continua a ser-me tão familiar e próxima, como se fosse hoje!… Mas esta não é só a minha imagem, é também a imagem para todos quantos aqui estão e para aqueles que não puderam vir. O contorno destes montes é-nos familiar; ao aspirarmos o cheiro das urzes, das giestas e das escovas, sentimos que um bálsamo de frescura nos invade; os sons que nos chegam aos ouvidos parecem música suave que alegra os nossos corações e retempera a alma. Este é um espaço acolhedor tal como já o fora no passado. As sementes encontraram terreno para se desenvolver e a cada novo ciclo da natureza dão sinal da sua existência!….São testemunhas silenciosas, mas acariciadoras, do nosso próprio crescimento, do tempo que nos foi concedido. Este é um regresso e um reencontro com as nossas próprias origens. No actual turbilhão da vida diária, que nos enreda e distrai é tempo de parar e olhar bem para as nossas origens porque aí assentam os nossos próprios alicerces. Evocar as nossas origens é evocar solenemente todos quantos estiveram presentes nesse tempo. Evocá-los é não só preservar a sua memória sagrada (que o próprio tempo ou a política podem ameaçar!…), como a nossa própria identidade e o nosso Futuro!… Estarmos aqui hoje, é regressarmos a esse passado distante, é reencontrarmos as origens e todas as energias que delas provêm. Aqui e hoje lembramos e homenageamos através do descerramento de uma placa, não só os guardas como intérpretes de um relacionamento ancestral entre as duas povoações de Vale de Frades e Vilarinho Traz la Sierra, mas também a amizade que unia e une os dois povos raianos ligados e abençoados tantas vezes pelo mesmo padre, usufruindo dos mesmos baldios, repartindo as escovas e estevas com que se aqueciam em tempos de invernia, festejando juntos no Dia das Candeias e nas Festas de Verão. Distantes das cidades e das vilas, imunes às influências do poder, aqui se constituíram verdadeiros oásis de paz, com formas de convivência muito peculiares!… Esta homenagem permitiu constatar a dificuldade de obtenção de elementos históricos, escritos, em que entram as povoações de Vale de Frades e Vilarinho Traz la Sierra, os guardas e os carabineiros, mas também os contrabandistas. Que é feito de tanto espólio acumulado ao longo de um século, retratando a vivência deste espaço raiano? Quanta coisa terá sido perdida por destruição de arquivos com o argumento da falta de espaço, na sequência da remodelação do dispositivo da Guarda Fiscal!…Toneladas de documentos inutilizados, tornando difícil fazer a história completa destes postos raianos e dos seus agentes, quando existem tantos centros de documentação para os receberem e fazerem a correspondente triagem e classificação!… Aqui fica o alerta e o desafio, para as Câmaras, Juntas de Freguesia ou Centros Culturais, para que ao menos recuperem através da história oral a riqueza do relacionamento raiano e se evitem situações de alienação da identidade das suas gentes. Por isso, a relação dos agentes da Guarda Fiscal que constam do folheto que foi distribuído está por completar. Está por aprofundar e analisar toda a vivência dos contrabandistas de Vale de Frades e de Vilarinho Traz la Sierra e as atitudes que os guardas mais evidenciavam, pois todos viviam na mesma aldeia e frequentavam os mesmos locais, da igreja à taberna. Era a constatação da existência de um contrabando de miséria em que pontificava a “pana” para os fatos masculinos, as “galhetas”, as “tortas”, … - como produtos vindos de Espanha, e o “café”, levado de Portugal!… Era o contrabando como forma de subsistência e não como forma de enriquecimento, algo que os guardas tão bem compreendiam, também eles lutando para subsistir e a ter que recorrer ao arado e à enxada para a sua própria sobrevivência. A própria conjuntura económica e política dos finais da década de 50 traçou o fim do contrabando. A subida galopante da peseta tirou o lucro à profissão de “contrabandista” e obrigou estes a tentar os caminhos da emigração. Hoje ao estarmos aqui de novo e ao evocarmos os nossos pais, os nossos familiares, os nossos amigos e todo o passado de comunhão que extravasava dos guardas da caseta para o povo de Vale de Frades ou de Vilarinho Traz la Sierra, reforçamos a nossa convicção perante a vida e perante o Futuro que temos pela frente. Com este gesto de homenagem, todos nós aqui presentes, retomamos o antigo relacionamento de mais de um século. Homenagear os agentes da caseta de Vale de Frades é valorizar a sua humildade e a sabedoria que absorveram e partilharam com os povos de Vale de Frades e Vilarinho Traz la Sierra; é trazer para a actualidade as potencialidades deste espaço no âmbito de novas formas de cooperação trans-fronteiriça. Não andámos à procura de gestos “heróicos” mas tão sòmente da força dessa sabedoria acumulada ao longo de um século pelos agentes da Guarda Fiscal, dos exemplos que humildemente praticaram, dos frutos que persistentemente produziram!....
Nasceu em Vale de Frades – Vimioso em 1947. Desenhador projectista de arquitectura, engenharia e desenho publicitário (aposentado). Iniciou o curso de pintura na Casa Pia de Lisboa, tendo como professores o Pintor Álvaro Perdigão, Escultor Hélder Baptista e Raul Xavier entre outros e concluiu a sua formação artística em 1973, na Escola de Artes Decorativas António Arroio em Lisboa. Frequentou a secção preparatória para as Belas Artes. Retirado da área do desenho técnico dedica-se, a tempo inteiro à pintura e à música. Contacto: 969053518 email: jarcoelho@meo.pt
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Homenagem aos agentes da Guarda Fiscal da caseta de Vale de Frades
Por Manuel Martins Lopes *
Comecei a conhecer a caseta há cerca de cinquenta anos. E a imagem que dela guardo, das suas paredes, do seu recorte no horizonte, do espaço em que se insere, dos guardas que a habitaram, dos carabineiros que a visitaram, dos povos de Vale de Frades e de Vilarinho Traz la Sierra que a respeitavam, dos contrabandistas que a evitavam, …essa imagem continua a ser-me tão familiar e próxima, como se fosse hoje!…
Mas esta não é só a minha imagem, é também a imagem para todos quantos aqui estão e para aqueles que não puderam vir.
O contorno destes montes é-nos familiar; ao aspirarmos o cheiro das urzes, das giestas e das escovas, sentimos que um bálsamo de frescura nos invade; os sons que nos chegam aos ouvidos parecem música suave que alegra os nossos corações e retempera a alma. Este é um espaço acolhedor tal como já o fora no passado. As sementes encontraram terreno para se desenvolver e a cada novo ciclo da natureza dão sinal da sua existência!….São testemunhas silenciosas, mas acariciadoras, do nosso próprio crescimento, do tempo que nos foi concedido.
Este é um regresso e um reencontro com as nossas próprias origens.
No actual turbilhão da vida diária, que nos enreda e distrai é tempo de parar e olhar bem para as nossas origens porque aí assentam os nossos próprios alicerces. Evocar as nossas origens é evocar solenemente todos quantos estiveram presentes nesse tempo. Evocá-los é não só preservar a sua memória sagrada (que o próprio tempo ou a política podem ameaçar!…), como a nossa própria identidade e o nosso Futuro!…
Estarmos aqui hoje, é regressarmos a esse passado distante, é reencontrarmos as origens e todas as energias que delas provêm.
Aqui e hoje lembramos e homenageamos através do descerramento de uma placa, não só os guardas como intérpretes de um relacionamento ancestral entre as duas povoações de Vale de Frades e Vilarinho Traz la Sierra, mas também a amizade que unia e une os dois povos raianos ligados e abençoados tantas vezes pelo mesmo padre, usufruindo dos mesmos baldios, repartindo as escovas e estevas com que se aqueciam em tempos de invernia, festejando juntos no Dia das Candeias e nas Festas de Verão.
Distantes das cidades e das vilas, imunes às influências do poder, aqui se constituíram verdadeiros oásis de paz, com formas de convivência muito peculiares!…
Esta homenagem permitiu constatar a dificuldade de obtenção de elementos históricos, escritos, em que entram as povoações de Vale de Frades e Vilarinho Traz la Sierra, os guardas e os carabineiros, mas também os contrabandistas.
Que é feito de tanto espólio acumulado ao longo de um século, retratando a vivência deste espaço raiano?
Quanta coisa terá sido perdida por destruição de arquivos com o argumento da falta de espaço, na sequência da remodelação do dispositivo da Guarda Fiscal!…Toneladas de documentos inutilizados, tornando difícil fazer a história completa destes postos raianos e dos seus agentes, quando existem tantos centros de documentação para os receberem e fazerem a correspondente triagem e classificação!… Aqui fica o alerta e o desafio, para as Câmaras, Juntas de Freguesia ou Centros Culturais, para que ao menos recuperem através da história oral a riqueza do relacionamento raiano e se evitem situações de alienação da identidade das suas gentes. Por isso, a relação dos agentes da Guarda Fiscal que constam do folheto que foi distribuído está por completar.
Está por aprofundar e analisar toda a vivência dos contrabandistas de Vale de Frades e de Vilarinho Traz la Sierra e as atitudes que os guardas mais evidenciavam, pois todos viviam na mesma aldeia e frequentavam os mesmos locais, da igreja à taberna. Era a constatação da existência de um contrabando de miséria em que pontificava a “pana” para os fatos masculinos, as “galhetas”, as “tortas”, … - como produtos vindos de Espanha, e o “café”, levado de Portugal!… Era o contrabando como forma de subsistência e não como forma de enriquecimento, algo que os guardas tão bem compreendiam, também eles lutando para subsistir e a ter que recorrer ao arado e à enxada para a sua própria sobrevivência. A própria conjuntura económica e política dos finais da década de 50 traçou o fim do contrabando. A subida galopante da peseta tirou o lucro à profissão de “contrabandista” e obrigou estes a tentar os caminhos da emigração.
Hoje ao estarmos aqui de novo e ao evocarmos os nossos pais, os nossos familiares, os nossos amigos e todo o passado de comunhão que extravasava dos guardas da caseta para o povo de Vale de Frades ou de Vilarinho Traz la Sierra, reforçamos a nossa convicção perante a vida e perante o Futuro que temos pela frente.
Com este gesto de homenagem, todos nós aqui presentes, retomamos o antigo relacionamento de mais de um século.
Homenagear os agentes da caseta de Vale de Frades é valorizar a sua humildade e a sabedoria que absorveram e partilharam com os povos de Vale de Frades e Vilarinho Traz la Sierra; é trazer para a actualidade as potencialidades deste espaço no âmbito de novas formas de cooperação trans-fronteiriça.
Não andámos à procura de gestos “heróicos” mas tão sòmente da força dessa sabedoria acumulada ao longo de um século pelos agentes da Guarda Fiscal, dos exemplos que humildemente praticaram, dos frutos que persistentemente produziram!....
Caseta nº 1, 13 de Agosto de 2000
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