sábado, 24 de abril de 2010

Dois Sabores


José Augusto Coelho, nascido em 1947 no seio de uma família onde a música dominava os serões, retrata as memórias que recolheu enquanto criança e adolescente na região de Trás-os-Montes - paisagens feitas de gentes, de hábitos, de trabalho, de sons, de luz e de intensa cor. A cor das suas telas ilumina as memórias incompletas pelo gasto do tempo, celebra a vida e o desejo de capítulos passados que imperam em todos nós Esse, o tempo das memorias filtradas no recanto da saudade. Nas pinturas de José Augusto Coelho o tempo pára para ser redescoberto.

Se por um lado as pinturas são traduções das memórias de José Augusto Coelho por outro lado são também retratos de um Portugal muito distinto e remoto. Situadas entre um valor documental e um valor emocional as pinturas de José Augusto Coelho materializam os mundos que todos partilhamos -- os mundos dos mundos onde vivemos.

Simultaneamente pintor e músico a sua investigação em expressões e temas populares manifestam-se nas suas telas através de uma linguagem e precisão musical -- silêncios, stacattos e polifonias de cor estabelecem um código formal que deleita, que lembra, que estimula e que instiga à re-imaginação. Entre uma abstracção de Georgia O'Keefe e um expressionismo de Cézanne as pinturas de José Augusto Coelho são expressões de desejo e de saudade, de receios e de exaltações, de reconstrução e alienação de tempos onde os territórios mais profundos de Portugal cristalizavam uma cultura popular profundamente rica e simultaneamente isolada das transformações que os maiores centros urbanos desfrutavam. José Augusto Coelho pertence às múltiplas famílias que no início da década de 60 migraram para Lisboa à procura de outras possibilidades. Filho de trabalho e de arte, filho de Trás-os-Montes e de Lisboa, José Augusto Coelho sintetiza os dois mundos que Portugal conheceu (e que ainda conhece) de realidades sociais, económicas e culturais muito distintas. Contemplar as obras de José Augusto Coelho é viajar por estes territórios e por estas importantes realidades que se confrontam e que se complementam numa visão mais alargada da história do nosso país e das nossas paisagens – história ausente nos almanaques mas vincada no corpo e na alma dos que a viveram.

As pinturas de José Augusto Coelho são um documentário, são provas de mundos paralelos que existem e testemunhos de memórias que persistem; um universo próprio representado por uma técnica, intensidade e criação que nos toca a todos nós -- As suas telas cantam a todos nós!

Sílvia Benedito